segunda-feira, dezembro 07, 2009

PROJETO: Diário para conto: uma possibilidade de diálogo entre gêneros

PROBLEMÁTICA: como o repertório de leitura dos nossos alunos é pequeno, eles, consequentemente, não têm muito o que escrever. Como podemos auxiliá-los a desenvolver o fluxo de escrita?

TEMÁTICA: O ato de ler como uma atividade de liberdade e prazer. A partir do momento em que houver diálogo entre o escritor e seu texto, sentimento e intimidade, todo medo e insegurança serão desconstruídos.

JUSTIFICATIVA: visto que os alunos têm dificuldade no fluxo da escrita, é importante que o professor primeiramente amplie os conhecimentos deles com textos, imagens e conversas para depois ter o que escrever. Por isso, optamos em estimulá-los a escrever um diário durante duas semanas.


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

O sistema educacional brasileiro vem passando por grandes e significativas mudanças decorrentes do surgimento de novas propostas teórico-pedagógicas. Uma delas é a concepção sociointeracionista (Vygotsky, 1896-1934) que alicerça os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e que serve como suporte para executarmos a nossa docência na educação básica. Esta concepção vê a linguagem:


Como ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos da sociedade, nos distintos momentos de sua história. (...) Cada uma dessas práticas se diferencia historicamente e depende das condições da situação comunicativa, nestas incluídas as características sociais dos envolvidos na interlocução. (BRASIL, 1998, p. 20)

Também baseados nesta concepção, autores como GERALDI (2002), POSSENTI (2002) e ANTUNES (2003) defendem que a escola, ao ensinar a língua materna, não deve ter outra pretensão senão chegar aos usos sociais da língua, na forma em que ela acontece no dia-a-dia da vida dos seus falantes.
Assim, devemos considerar e estudar a língua enquanto sistema vinculado ao uso, que não é homogênea, que abarca diferentes visões de mundo, que está em constante movimento e que não está centrada somente em aspectos gramaticais.
Nesta perspectiva, o trabalho com a linguagem, texto, representa não uma atividade escolar a mais, e sim uma atividade humana, histórica, social e ideológica que garante a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania.
Entendemos que, para haver interação no processo educativo, o texto precisa ser tomado como objeto constitutivo. Mas, o que é um texto?
A noção de texto pode ser aplicada tanto para as manifestações orais como escritas, literárias e não-literárias, de qualquer extensão. Isto é, o texto “é toda e qualquer unidade de informação no contexto da interação; entendendo-se como uma ação entre sujeitos, entre interlocutores.” (TP3, 2008, p. 19) O texto, então, só existe quando existem enunciador e receptor, assim como também, condições de enunciação e recepção.
Com outras palavras, KOCH (1992) define texto da seguinte forma:


O texto pode ser conceituado como uma manifestação verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos escritores/leitores, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação dos processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação de acordo com práticas socioculturais.


Sendo assim, podemos definir texto como ação intersubjetiva, dialógica e como prática histórico-social. Para que possamos compreender melhor a relação texto e contexto precisamos recorrer à noção de gênero de discurso, teorizada por Bakhtin.
Desde 1998, a noção de gênero passou a ser uma questão frequente nas discussões que envolvem o processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pelo MEC. Essa noção é central, neste projeto, já que partimos do pressuposto de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, pois “todo o texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, os quais geram usos sociais que os determinam”. (BRASIL, 1998, p.21).
Bakhtin, na obra Estética da criação verbal (1979), já apostava nesta noção de gênero no ensino da língua:
A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) [...]. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas [esferas da atividade humana], não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1979, p. 279).

Entendemos, assim, os gêneros textuais como formas de manifestações linguísticas orais ou escritas, produzidas em diferentes situações sociocomunicativas, nomeados em razão de suas características de função, tema, organização e estilo.

Se os tipos textuais são meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante. (MARCUSCHI,2002, p. 23).

Desta maneira, os alunos na escola precisam ter um amplo contato com uma grande variedade de gêneros , pois trabalhar narração, descrição e dissertação - tipos textuais geralmente confundidos com gêneros - não garante o conhecimento necessário para produzir os textos que os alunos terão de escrever ao longo da vida. Desse modo, ao construirmos este projeto, procuramos dar ênfase aos gêneros diário e conto. Por ser uma narrativa, normalmente, o conto se organiza sobre cinco elementos: enredo, personagem, tempo, espaço e narrador. Geralmente apresenta um único conflito, com poucas personagens, tempo e espaço reduzidos. Quanto à linguagem, a sua principal característica é a concisão.
Já o gênero diário é uma modalidade de composição informal, por ser um modo simples de colocar no papel relatos de nosso cotidiano, impressões sobre o mundo que nos cerca, nossas ideias, emoções, desejos e também segredos. Neste gênero, a narração é, normalmente, feita em 1ª pessoa, e não há uma preocupação com a norma padrão, por isso, pode apresentar muitas marcas das impressões pessoais como gírias, chavões, abreviações etc.


OBJETIVO GERAL: estimular o fluxo de escrita dos alunos, sistematizando o processo através da escrita de um diário, cujo tema servirá de base para a produção de um conto.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

- buscar o que os alunos sabem sobre o gênero diário;
- apresentar para os alunos o diário e as possíveis marcas que caracterizam esse gênero;
- mostrar aos alunos os suportes onde o diário é registrado e as possíveis finalidades desse gênero;
- levar os alunos a identificar as marcas do diário em textos e filmes;
- estimular os alunos a produzirem um diário.
- apresentar o gênero conto para os alunos;
- levar para a sala de aula contos diversos;
- levar os alunos a identificar as marcas do gênero conto;
- fazer a transposição do gênero diário para o conto;
- revisar os textos e publicá-los.
METODOLOGIA:

1. Compartilhar com os alunos a proposta de fazer um diário.
2. Verificar o conhecimento prévio dos alunos.
3. Ampliar o repertório dos alunos.
4. Analisar as marcas dos gêneros.
5. Buscar informações sobre o tema.
6. Produzir, revisar, publicar os textos.


Modelo de sequência didática retirada do Almanaque do Programa Escrevendo o Futuro: Na ponta do lápis – ideias geram práticas, práticas geram ideias.

Sequência didática:

1º passo: Na primeira aula, comece a conversa com os alunos sobre o que planejou para as próximas aulas e solicite a opinião deles quanto a esse trabalho.

2º passo: Em seguida, se os alunos estiverem de acordo, verifique o que os alunos conhecem sobre o gênero diário.

3º passo: Depois disso, leve para sala ou faça uma pesquisa com os alunos sobre esse gênero: o convencional, escrito no papel; e o virtual, escrito em blogs.

4º passo: Nessa etapa, chame a atenção dos alunos para as marcas do gênero diário, como, por exemplo, a narração em 1ª pessoa, o descomprometimento com a norma padrão da língua, as marcas das impressões pessoais etc.

5º passo: Como nossos alunos, na grande maioria, são adolescentes, busque informações sobre o mundo dos adolescentes, o que fazem, como pensam, quais as suas inquietudes etc. Aqui é interessante promover conversas, levar textos, músicas, filmes. Cada aluno pode, durante as duas semanas, apresentar outras informações à turma.
6º passo: Agora é hora de produzir. A cada aula apresente um texto. Depois de alguns minutos de conversa, cada aluno se debruçará sobre seu diário e escreverá sobre aquele dia: algo que aconteceu com ele ou com outro, algo que viu, ouviu, lembrou etc., sem se preocupar com as particularidades da gramática normativa, pois isso prejudica o fluxo da escrita. Esse é um momento dele e, por isso, só interfira caso seja solicitado. O aluno levará o diário para casa.

7º passo: A troca de gêneros: Depois de escreverem o diário por duas semanas, leve para a turma vários contos. Converse com os alunos sobre as características particulares de cada gênero.

8º passo: Antes de pedir para os alunos produzirem um conto, solicite para que cada aluno volte a ler o seu diário e dali escolha uma história, um tema que julguem interessante divulgar para outras pessoas. Nessa etapa, oriente a turma a fazer a transposição do gênero, ou seja, o assunto do diário, que é escrito de maneira bastante pessoal e descomprometida, passa a ser literário, em que é preciso criar personagens e utilizar uma linguagem que estabeleça comunicação com os leitores.

9º passo: Revisão: O trabalho agora é minucioso. Oriente os alunos a adequar a linguagem ao gênero, sem esquecer que um texto literário não pode ser corrigido como um texto científico. Além do conto, o aluno pode criar uma imagem para seu texto, como um desenho, uma montagem.

10º passo: Publicação: Depois de revisados, reúna os textos e as imagens numa revista literária ou blog, criados pela turma, que escolherá o nome, a arte, a divulgação e o dia do lançamento. Antes de terminar o trabalho, é importante ouvir os alunos sobre as atividades realizadas a fim de orientar futuros projetos.


CONTEÚDOS: gênero textual: diário e conto

PÚBLICO-ALVO: alunos do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Palhoça


CRONOGRAMA: o Projeto será desenvolvido nos meses de setembro, outubro e novembro de 2009.

AVALIAÇÃO:
A avaliação deve ser uma ferramenta que permita ao professor unificar o processo de ensino à aprendizagem, dessa forma ela deve ser dinâmica e móvel; não deve estar presa a métodos e datas, acompanhando o aluno durante todo o processo de ensino. No caso especifico de avaliação da produção escrita, acreditamos que o processo criativo, ou seja, suas etapas também podem servir para estimular o aluno, que deve ser levado a perceber a escrita como um processo evolutivo.
Elementos a considerar durante a avaliação do conto
1. A história está bem estruturada e completa?
2. No início, os personagens, o ambiente e o conflito estão bem claros para o leitor?
3. Há um equilíbrio entre os incidentes criados para o suspense no decorrer da história?
4. Há um equilíbrio entre as partes que compõem a história; introdução, desenvolvimento conclusão?
5. Há elementos desnecessários ao enredo?
6. Os personagens e suas ações são consistentes ao longo da narrativa?
7. O texto mantém seu foco/ponto-de-vista?
8. Os diálogos quando aparecem enriquecem a construção da narrativa?
9. O leitor é bem guiado durante a história, isto é, a pontuação é eficiente?
10. Existe interação entre o ambiente, as ações e o conflito?
11. Se há um final inesperado, ele foi bem tramado durante a história?
12. O título é apropriado?
13. Há capricho na apresentação do manuscrito final?

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé Costa. Aula de Português: Encontro & Interação. São Paulo: Editora Parábola, 2003.
BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1986.
_________, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes. 1979.
BRASIL, SEF. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
FURLANETTO, Maria Marta. Produzindo textos: gêneros ou tipos?. In: Perspectiva: Expressando a Língua Portuguesa e seu Ensino. Florianópolis: Ed. UFSC, 2002, p. 77-104.
GERALDI, João Wanderley .(org.). O texto na sala de aula – Leitura & Produção. 2 ed. In: O Texto na sala de aula. Cascavel: ASSOESTE, 1984, p. 41-69.
_________, João Wanderley. O Texto na sala de aula. 3. ed São Paulo: Ática, 2002.
_________, João Wanderley. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
HOUAISS. Antonio, Houaiss Dicionário da Língua Portuguesa. Objetiva. 2001.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.
_______, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2006.
_______, Ingedore Grunfeld Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Ed. Lucerna, 2002, p. 19-36.
POSSENTI, Sírio. Gramática e Política. In: O texto na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 2002.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramatica no 1. e 2. graus. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997